Como corolário desta evolução das economias mundiais, em 2015, a OCDE, em colaboração com o grupo das vinte maiores potências mundiais (G20), desenvolveu o projeto BEPS 1.0, o qual tem por objetivo dotar os governos com regras e mais instrumentos, nacionais e internacionais, para lidar com a elisão fiscal, garantindo a tributação dos lucros onde as atividades económicas que geram os lucros são realizadas e onde o valor é criado. Para tal, o projeto BEPS 1.0 encontra-se dividido em 15 ações assentes em 3 pilares distintos:
(i) introdução da coerência nas regras domésticas que afetam as atividades transfronteiriças;
(ii) reforço dos requisitos de substância nos padrões internacionais existentes; e
(iii) melhoria da transparência por via da divulgação de informação sobre operações dos sujeitos passivos.
"No passado dia 19 de fevereiro, os membros da OCDE publicaram um relatório com a definição das diretrizes para implementar o Montante B, visando simplificar e agilizar a abordagem dos preços de transferência nas atividades de comercialização e distribuição. Será que a simplificação prometida pela aplicação deste montante é assim tão linear?"
Leendert Verschoor, Transfer Pricing Partner da PwC PortugalNa verdade, o que começou como um projeto para desenvolver uma solução para os desafios tributários de uma economia digitalizada transformou-se num compromisso político para reformular o ambiente tributário internacional em todos os setores.
Em outubro de 2021, a Inclusive Framework (IF) da OCDE divulgou uma declaração atualizada estabelecendo as principais componentes para um acordo sobre uma solução global de dois pilares para enfrentar os desafios fiscais decorrentes da digitalização da economia (“BEPS 2.0”).
Os trabalhos efetuados pela IF, relativos à erosão da base tributável e à transferência de lucros, procuram assegurar que todas as empresas suportem uma quota-parte justa de imposto sobre lucros. O Pilar 1 consiste em regras e mecanismos que permitirão a reafectação dos direitos de tributação entre as jurisdições em causa, enquanto o Pilar 2 tem como principal objetivo assegurar que as empresas multinacionais pagam um nível mínimo de imposto sobre os lucros (grupos multinacionais cujo volume de negócios é pelo menos igual a 750 milhões de Euros sejam tributados a uma taxa efetiva de 15%).
No que diz respeito ao Pilar 1, o mesmo pretende definir critérios para a realocação de lucros entre as jurisdições e estabelecer quais os Estados que têm direito a tributar através de três mecanismos: i) Montante A: que envolve a alocação de uma parte dos lucros residuais para jurisdições identificadas como mercados ou locais de consumo; ii) Montante B: que consiste na atribuição de um retorno fixo para atividades de comercialização e distribuição de base; iii) Segurança jurídica: que visa prevenir e resolver conflitos através da implementação de mecanismos de prevenção e resolução.
No passado dia 19 de fevereiro, os membros da OCDE publicaram um relatório com a definição das diretrizes para implementar o Montante B, visando simplificar e agilizar a abordagem dos preços de transferência nas atividades de comercialização e distribuição de base. Este acordo, delineado no relatório publicado, será finalizado até 31 de março de 2024 e incorporado nas Orientações da OCDE sobre preços de transferência, com aplicação prevista a partir de 1 de janeiro de 2025.
É importante observar que as Orientações da OCDE representam recomendações dirigidas pelos Governos às empresas multinacionais e devem ser incorporadas nas legislações locais para se tornarem legalmente vinculativas nas respetivas jurisdições, similar ao que ocorreu recentemente com as regras referentes ao Pilar 2.
No presente artigo pretende-se clarificar o conceito de Montante B, a sua aplicabilidade e importância no seio dos Grupos Económicos.
O Montante B será aplicável a transações qualificadas de compra e venda de bens (buy-sell marketing and distribution transaction), nas quais o distribuidor adquire junto de uma entidade do Grupo para revender a terceiros que não sejam considerados clientes finais. O Montante B também se aplica a transações de atividades comissionistas e de agência que contribuem para a execução da venda de mercadorias por uma ou mais empresas do Grupo a entidades terceiras.
Além disso, é importante destacar que, embora não exista uma lista exaustiva das atividades de distribuição de base e comercialização abrangidas, há um reconhecimento imediato de um conjunto de atividades que, se realizadas pelo contribuinte, não se qualificam para este regime devido aos riscos económicos significativos subjacentes. Isso inclui transações que envolvem a distribuição e comercialização de bens ou serviços intangíveis, trading ou distribuição de commodities, bem como transações em que a entidade realiza atividades adicionais não relacionadas com a distribuição.
De referir ainda que, o Montante B será de caráter obrigatório para as jurisdições Low-Capacity cuja lista será divulgada no final de março. De notar que estas jurisdições têm uma especial particularidade em relação à falta de comparáveis nos seus mercados locais pelo que a adoção do Montante B irá certamente facilitar a validação do Princípio de Plena Concorrência nestes mercados.
Para que uma transação qualificada esteja no âmbito da abordagem simplificada e otimizada:
Para transações qualificadas que não estão excluídas do âmbito da abordagem simplificada e otimizada, serão consideradas fora do âmbito se:
Por forma a testar a rentabilidade das transações qualificadas deve ser utilizado o Método da Margem Líquida da Operação (MMLO). Em algumas situações, o uso de comparáveis internos, pode ser mais adequado para testar as transações abrangidas, caso os dados disponíveis sejam confiáveis.
O relatório contém uma matriz de preços que define os níveis específicos de rentabilidade para os diferentes tipos de entidades recorrendo ao retorno sobre as vendas (“return on sales”) como o indicador do lucro líquido esperado que essas entidades obtenham em cada localização geográfica. Embora a matriz tenha sido ligeiramente atualizada em comparação com as versões anteriores, os valores-alvo de referência continuam a variar entre 1,5% e 5,5%. A taxa aplicável varia dependendo da indústria, jurisdição, assim como da intensidade de ativos operacionais e despesas operacionais de cada entidade qualificada.
As tabelas de referência construídas por meio de benchmarking permanecerão válidas por 5 anos, com atualizações anuais dos dados financeiros das entidades comparáveis que foram usadas para calcular os intervalos de mercado.
Na abordagem simplificada e otimizada, destaca-se a importância do Local File que, para facilitar, inclui detalhes específicos das transações vinculadas do contribuinte.
À primeira vista, percebe-se que o Montante B foi desenvolvido para simplificar e coordenar uma abordagem global. No entanto, a questão da documentação exigida para as transações abrangidas pelo Montante B continua a representar um encargo significativo para os contribuintes. Na verdade, está previsto que as empresas envolvidas em transações abrangidas pelo Montante B tenham de fornecer um extenso conjunto de informações às autoridades tributárias como parte do seu Local File. Isso inclui a demonstração de que as operações são realmente elegíveis de acordo com os critérios de delimitação do regime e que a metodologia de fixação de preços das transações incluídas é apropriada.
De forma sucinta o Local File deve incluir a seguinte informação:
No primeiro ano de adoção do regime do Montante B, o contribuinte deverá incorporar na sua documentação um consentimento para aplicar o Montante B por um período mínimo de três anos, a menos que as transações não se qualifiquem mais durante esse período ou ocorra uma alteração significativa na empresa.
A simplificação prometida através da aplicação do Montante B pode não ser tão linear, dependendo da aceitação em cada jurisdição e da necessidade de verificação de todos os requisitos para aplicar a abordagem simplificada.
Na verdade, as empresas precisarão de verificar a implementação das regras em todas as jurisdições em que operam e ajustar as suas abordagens de metodologia de preços aplicadas às atividades básicas de distribuição de base e comercialização. Isso pode exigir a adoção de diferentes metodologias para cumprir com as regras de preços de transferência, dependendo das jurisdições envolvidas, resultando em um ónus contínuo de documentação para comprovar a abordagem adotada.
Neste sentido, tendo por miragem a entrada esperada em vigor deste regime já em 1 de janeiro de 2025, torna-se preponderante uma avaliação dos impactos destas novas regras de forma antecipada, por forma a identificar os cenários disponíveis e analisar possíveis reorganizações da cadeia de valor dos Grupos Económicos.
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Leendert Verschoor
Transfer Pricing Partner da PwC Portugal